terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Retrocedendo no tempo

Aproveitando o gancho, gostaria de voltar um pouco no tempo, mais precisamente dia 1º de Abril de 2008, para repassar a última viagem que fiz para Europa, mas desta vez exclusivament
e para subir as preda tudo. Tentei de várias formas enxugar o máximo o texto, mas ao final desisti porque já tem muitos detalhes que me fogem a memória e com isso a história se perde e a linha de pensamentos fica vaga.
Prefácil

Muito difícil para mim conseguir contar todos os fatos irrelevantes de modo objetivo e direto, peço desculpas pela falta de habilidade para tal. 
A princípio parece uma leitura longa, mas em menos de 10 minutos acaba.
Itália onde tudo começou

Foi no dia 1 de abril de 2008 que desembarquei em Milão, Itália, para 3 meses de escalada pelo velho continente. O objetivo era escalar na Itália, Suiça e França. Desde então procurei um ginásio de escalada para iniciar meus treinamentos por 3 semanas, antes da chegada do meu amigo Caio Granola. Nessas 3 semanas arduamente treinei, visitei alguns locais pela região (Valssassina e Lecco) e fiz o reconhecimento do primero point da trip, a cidade de Arco na região de Trentino, nordeste do País, conhecida como Valle di Sarca e que fica próximo ao famoso Lago di Garda Nord, o lado norte do lago. 
As cidades ficam aproximadamente a 1km de distância uma da outra como se fossem bairros. A cidade de Arco gira entorno da escalada, em bares, restaurantes, sorveterias e nas inúmeras lojas de artigos para escalada, vê-se fotos, posters, autógrafos e tudo que você pode imaginar de escalada. Assim como as cidades mais próximas ao lago giram entorno dos esportes aquáticos e a vela, e as cidades também próximas a região montanhosa gira entorno do ciclismo, montanhismo etc.
Ao chegar em Arco fui imediatamente acolhido por um casal de brazucas que moram por lá e que só tenho a agradecer, por tudo que fizeram por mim e pelo tanto que facilitaram|agilizaram a logistica da viagem. Dani e Birão me apresentaram de cara as falésias mais doidas que conheci em toda minha vida. Por ser um vale o local é lotado de preda pra todos os lados, lembrando inclusive o vale de Yosemite, CA. Mais de 100 falésias, picos de até 4000mtrs de altura e paredes de mais de 1000mtrs de escalada compõe a paisagem, além do imenso Lago di Garda, isso tudo num raio de menos de 20km de distância.

Após esses 3 dias retornei a Milão com toda a logística pronta para permanecer escalando por lá até dia 20 de maio, já que meu camarada chegava apenas no dia 1 do mês em questão. E foi o que quase aconteceu, pois tivemos que encurtar nossa permanência em 2 dias, pois tinhamos que ir para França pelo menos descançados, já que foram 18 dias intensos com no máximo de dois dias seguidos de descanso, escalando freneticamente sem parar o dia todo, a maior parte avistando e flechando, poucas vias foram tentadas mais de 3 vezes, afinal, são em média 300 vias por falésia. Ao final desse periodo percebi que não foi a melhor estratégia, porém a fissura falava mais alto. 
França
De Arco, fomos para Milão deixar aquilo que chamavamos de "carro" (um Smart) e embarcamos de trem para uma cidade do sul da França chamada Gap. 
Ao chegarmos em Gap, tivemos uma surpresa não muito animadora. O tempo estava horrível e não havia ônibus para nosso próximo destino, o vilarejo mais próximo de Ceüse, chamado Sigoyer, que fica a 5 km do famoso camping Les Guerin localizado ao pé da montanha, e a 20km de distância da cidade que estavamos. Tivemos que pegar um taxi e acabamos sentindo no bolso o peso da moeda local, o Euro.

Passado a primeira impressão, chegamos ao camping e nos instalamos. Tinhamos a certeza de que um outro amigo nosso, Lucas "Jah" como é conhecido, estava nos aguardando lá conforme o combinado ainda no Brasil, porém após algumas abordagens aos colegas de camping descobrimos que ele estava acampado na base da via "Biographie" mas conhecida como "Realization". Vale lembrar que a trilha de acesso a incrível falésia fica a 1h do camping, já que a própria se encontra no alto da montanha e a 2000mtrs de altura. Ao chegarmos para nosso primeiro dia (dos 20 que tinhamos planejado) de escaladas em Ceüse, procuramos mas não o encontramos. Com todo aquele estímulo que a atmosfera do local magicamente nos afeta, não procuramos muito e começamos aquilo que fomos fazer lá, escalar.
Com um calcáreo aderente de cores azul e laranja, feito de agarras peculiares e, digamos, "internas" como se fossem bolsos para dentro da preda, de forma a dificultar a leitura das linhas e abrir margem para a imaginação mental e expressão corporal, textura e aderência nunca imaginadas antes ainda mais se tratando de calcáreo, Ceüse imediatamente modificou nossos conceitos de escalada de um modo geral. Era distinto de tudo que já havia escalado ou ouvido falar, era paradoxal em vários sentidos, era liso e abrasivo ao mesmo tempo, era cansativo e confortável, haviam diversos graus de inclinação e muitos setores com características diferentes e exposições diferentes as determinadas condições climáticas. Tudo era envolvente e não era exatamente como esperávamos que fosse, até o incansável coo-coo (famoso pássaro dos relógios de madeira antigos), que aos montes residem nas árvores ao longo da montanha, atraia nossa antenção durante os momentos de silêncio e reflexão a que fomos submetidos, fosse durante a trilha ou durante as curtas noites de sono e frio.
Após os 3 primeiros dias em Ceüse, chovendo sem para e fazendo um frio incomum para a estação da primavera, eis que encontramos nosso amigo "Jah" vindo de Gap e cheio de estórias para contar. Ficamos umas horas em volta da fogueira colocando os assuntos e novidades em dia até uma amiga dele vir busca-lo, pois ele estava dormindo na casa desses franceses e estava indo para um festival de música eletrônica na Suiça para trabalhar com terapias alternativas por 10 dias, ofício que lhe rendera uns trocados.

Nesse tempo,  a chuva e o frio não deram trégua. Escalamos o máximo que podiamos, porém o clima não colaborava e já estávamos desanimados. Em 15 dias escalamos apenas 5 e nesse tempo conhecemos muitos escaladores que inham e vinham trazendo notícias do clima e dando caronas para o reabastecimento de alimentos. Um belo dia descobrimos que no camping haviam pequenos trailers que eram alugados por um pouco mais de 1 euro de diferença do que pagávamos para acampar, e isso foi uma injeção de ânimo para continuar fazendo a trilha todos os dias com energia suficiente para escalar bem, pois aos poucos a trilha de acesso a falésia ia minando nossas energias, atribuída as péssimas noites de sono (noites essas que duravam no máximo 4h devido a estação do ano em que o dia fica mais longo e a noite mais curta), ao frio intenso e a falta de nutrientes com a má alimentação ao longo da trip. Para mim em particular foi muito difícil manter a fina camada de gordura existente em meu corpo esguio, o que culminou numa perda excessiva de peso e no aumento da sensação de frio (chegava a graus negativos), porém ainda sim me sentia forte e motivado.
Depois dos primeiros 10 dias estávamos totalmente adaptados as novas condições, foi quando surgiu o convite de nossos amigos franceses para passarmos um fim de semana em Monpellier na casa de nossa amiga Judith. Foi um fim de semana em que a escalada quase ficou esquecida apesar de pouco ter escalado até aquele momento, sonhava todas as noites (quando conseguia dormir) com os movimento das vias que me aguardavam lá em cima, no topo da montanha. No retorno ao camping tive uma baixa na equipe, ou melhor, na dupla. Caio havia desistido de permanecer na chuva e no frio de Ceüse e resolvera embarcar de carona para Barcelona com um casal de americanos que eram nossos vizinhos de trailer, fazendo com que eu ficasse por minha conta (já que o combinado era ele cozinhar e eu lavar a louça, pois ninguém além de mim gostava da minha comida) uma vez que a chuva e o frio já havia espantado quase todos os escaladores que estiveram no camping, permanecendo apenas uma dupla de alemães que inclusive encontramos em Arco mas que não foram cativantes o suficiente para passar do "Bon Jour" matinal diário. Essa baixa já estava planejada desde quando fomos para França, porque ir para Espanha já fazia parte dos planos do Caio, só a data náo estava totalmente definida. Curiosamente 20 minutos após a partida de Caio e dos americanos o sol resolveu aparecer e permaneceu desde então. Passados 2 dias solitário e escalando em auto-segurança algumas das vias que normalmente costumava aquecer, finalmente "Jah" retornava ao camping para mais uma session de 15 dias de escalada dos quais escalamos quase todos, já que descansar não fazia parte da minha estratégia e tudo estava favorável para que tivesse êxito em meus projetos, fato que acabou ocorrendo, a não ser por uma única via que deixei pendente após perceber que precisaria de mais tempo de descanso e recuperação orgânica para executá-la.
Escalamos muito nessa última etapa em Ceüse e descansamos muito pouco, mas valeu muito a pena. Infelizmente como tudo que é bom dura pouco, me vi obrigado a retornar para a Itália e embarcar no vôo de volta ao Brasil. Ainda assim Ceüse pareceu não ter gostado muito da idéia e subitamente algumas coisas aconteceram que não pude sair da cidade e retornar a Milão, onde deveria estar no dia 19 de junho para voar de volta ao Brasil. Foram 3 dias de apreensão entre uma greve de trem, grana no limite p acabar, e como se não bastasse a pressão dos nossos amigos franceses e do meu irmão "Jahmeijou", acabei perdendo o único trem que iria sair no dia 18 de junho em direção ao meu destino. Foi um verdadeiro Deus nos acuda, depois de muito negociar consegui que um casal de amigos franceses me levassem rapidamente (mas rápido que o trem) até uma outra cidade para que então lá eu conseguisse embarcar nesse mesmo trem. Ufa, enfim consegui chegar a Milão no dia 19 de junho poucas horas antes do meu vôo mas a tempo.
Por todo o caminho de volta a ficha ainda não havia caído, não conseguia digerir que o sonho estava próximo de acabar, mas essa sensação não me deixava triste, apenas perplexo. Apesar de sentir muita saudade de pessoas importantes que deixei no Brasil, de ter a necessidade de voltar a trabalhar e estudar, não conseguia tirar Ceüse da cabeça. Mesmo tendo visitado outras falésias incríveis, talvez até melhores que Ceüse. 
Confissões

Nessa trip devo ter escalado em quase 20 falésias diferentes, fiz uma via de parede (num dia de descanso em Arco), conheci muitos escaladores de diferentes países e pude trocar experiências e informações com eles, experimentei vias de até 9a (fr), dirigi quase 2000km pelas rodovias da Itália num Smart, derrubei um cara de motorino acidentalmente em Milão, passei 3 meses em abstinência sexual total e só pensava na mesma mulher (a que eu amo), perdi 5kg mesmo tentando manter com muito esforço (azeite, pão, macarrão, queijo, chocolate, foram a base da dieta), aprendi um pouco sobre a cultura e idioma dos locais que passei, provei bons vinhos, bons azeites e excelentes queijos pois eram baratos (voltei viciado em azeite), carrego até hoje lesões consequentes da falta de descanso e ainda não consigo tirar Ceüse da cabeça...dentre outras coisas que no momento não me recordo.
Aconselho a todos que façam esse tour e se puder ainda inclua países como Suiça (fui apenas por um fim de semana para visitar família que tenho lá), Espanha, Rep. Tcheca, Alemanha, Grécia (principalmente). 
Outro conselho para aqueles que não gostam de roubada e estão com dinheiro extra é alugar um carro ou um motohome e programar a viagem para que comece nas semanas que precedem a temporada de escalada européia (verão deles), porque os picos ficam lotados na temporada.
Para os que tem facilidades como: grana, passaporte europeu, idiomas (espanhol, francês, inglês), tempo hábil e disposição de jeová, não sei nem o que vocês estão fazendo aqui!!!

A única coisa que gostaria de ter feito nessa trip e que não tive oportunidade, foi ter escalado: Parete Zebrata (Arco-Itália) e Verdon (França, 1:30h de Ceüse). Quem estiver nessa região não deixe de conferir esses dois lugares.

Agradecimentos

Caio Tombini e Lucas Marques por se encordarem na outra ponta da corda e por detestarem minha comida e cozinharem pra mim.
Anderson Birão e Dani por tudo que fizeram por mim sem medir esforços, desde hospedagem até disponibilizar tempo para escalar e apresentar as falésias e a galera local.
Seu Dinho, pai da Dani, pelas garrafas de vinho que derrubamos juntos e pelo agradabilíssimo papo entre uma e outra.
Ao Marco Tosco por ceder e dividir seu apto comigo e com o Caio e por aguentar o humor inconstante desse último, além do cheiro de alho que deixávamos ao cozinhar.
E excepcionalmente a todos que de alguma forma participou e participa de tudo que fazemos nessa vida, sempre.


         Por Bernardo Biê.








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