Há alguns anos atrás fiquei sabendo da
existência da Pedra Riscada através de notícias da conquista de uma linha
impressionante nomeada "Place of Happiness", o lugar da felicidade.
Só isso já era o suficiente para gerar o interesse em muitos escaladores.
Pedra Riscada vista pela face nordeste. Foto: Bernardo Biê.
Passado algum tempo vários grupos tentavam repeti-la, entre sucessos e fracassos alguns deixavam suas
experiências registradas em relatos empolgantes, o que motivava ainda mais
outros a tentar o feito de escalar seus 850 metros de puro granito.
Sérgio Ricardo aos pés da Pedra Riscada com a via
"Place of Happiness ao fundo. Foto: Bernardo Biê.
Desde então alimentamos essa vontade e
começamos a planejar nossa tentativa, mas os caminhos da vida pareciam não
colaborar para que de fato isso acontecesse. Foram 3 anos coletando
informações, combinando, planejando, alimentando essa semente, mas ainda sim na
hora "h" alguma coisa impedia nosso avanço em direção a tão esperada
montanha.
De repente, meio que na marra, as coisas
foram se encaminhando e em 1 semana tudo estava pronto para nossa partida à
cidade de São José do Divino, nordeste de Minas Gerais, quase na divisa com o
Espirito Santo.
Os escaladores Lucas Marques, Bernardo Biê e Sérgio Ricardo
durante a repetição da via "Place of Happiness". Foto: Lucas Marques.
Tive a sorte de me juntar a dois
escaladores que admiro, e ainda mais sorte em poder compartilhar essa
experiência com eles. Por coincidência dois mineiros radicados no Rio de
Janeiro, Lucas Marques e Sérgio Ricardo. Todos super motivados a fazer essa
escalada juntos, esse foi o combustível que precisávamos para alcançar esse cume.
Estava escalando desde o começo do ano em parceria com o Sérgio, fizemos uma
boa sequência de escaladas, mas fazia algum tempo que não via o Lucas, já não
me lembrava a última vez que escalamos juntos mas sabia que ele estava afiado e
sedento por essa oportunidade.
Bernardo Biê no 1o diedro da via "Place of Happiness". Foto: Lucas Marques.
Nossa estratégia inicial era bem
diferente da que adotamos. A princípio o mais importante era ir leve e ser ágil
para tentar o cume em um dia, mas concordamos que seria mais divertido passar
mais tempo na parede, desfrutar dos detalhes que a via poderia nos oferecer.
Logo essa opção ganhou força e decidimos levar o acampamento para a parede.
Juntamos tudo que era preciso, com
algumas exceções, e partimos de ônibus para Belo Horizonte encontrar o Lucas e
seguir de lá de carro para São José do Divino. Depois de quase 14 horas total de
viagem finalmente chegamos aos pés da Pedra Riscada de frente para a face
nordeste, já tarde da noite decidimos bivacar na beira da estrada. O céu estava
tomado por estrelas e não se passava nem 5 minutos sem que uma estrela cadente
cruzasse sobre nossas cabeças. Claro, todos os pedidos eram os mesmos, fazer o
tão desejado cume.
Lucas Marques guiando o 3o diedro, um dos cruxs da via 9a br (7c fr). Foto: Bernardo Biê.
Como escalaríamos com suprimentos e
equipamentos para mais de um dia na parede, nossa estratégia era descansar um
dia antes de começar a empreitada. A ansiedade era quase incontrolável, ainda
nos seguramos bastante mas às 15h começamos as primeiras 6 enfiadas com o
objetivo de deixar o haulbag e as mochilas no final do primeiro terço da
parede. Às 19h começamos a descer com o objetivo concluído.
Bernardo Biê guiando a saída do último diedro, um dos cruxs da via 8c (7b+ fr). Foto: Sérgio Ricardo.
A via Place os Happiness está localizada
na face nordeste da Pedra Riscada e conta com 18 enfiadas, na sua maioria de 60
metros de extensão cada uma, com graduações que variam entre o 4º grau e o 9º
grau brasileiro. É uma via exigente, tanto no aspecto físico quanto no
psicológico, pois além da dificuldade técnica ela também oferece alguns lances
onde a possibilidade de queda não é muito agradável nem muito menos uma opção.
Todos esses elementos atraiam ainda mais a gente e nesse embalo acordamos bem
cedo para, ai sim, começar a escalar a parte exigente da parede.
Fomos revezando as guiadas e içando todo
suprimento com o objetivo de alcançar o topo da 11ª enfiada. Enquanto um guiava
outro participava e um jumareava, num esquema bem coordenado subimos pesados porém
rápidos. Pelas informações que tínhamos ali, no topo da 11ª enfiada, era o
melhor lugar para montar o portaledge e passar a noite. Realmente, naquele
ponto da parede existem proteções que foram deixadas pelos conquistadores para
esse fim, tudo indica que eles mesmos tenham permanecido ali por alguns dias
enquanto conquistavam a via.
Os três escaladores no acampamento suspenso durante
a manhã do segundo dia. Foto: Lucas Marques.
Para alcançar esse objetivo que traçamos
tivemos enfiadas difíceis mas ao mesmo tempo incrivelmente lindas.
Inacreditável como existem boas agarras entre alguns lances difíceis e algumas
vezes desprotegidos. A via se mostrou ser totalmente o nosso estilo, a cada
enfiada que vencíamos ganhávamos força e a vibração estava contagiante!
Ainda tenho as imagens na cabeça do lindo pôr do sol ao fundo enquanto montávamos e organizávamos nosso acampamento suspenso.
Ainda tenho as imagens na cabeça do lindo pôr do sol ao fundo enquanto montávamos e organizávamos nosso acampamento suspenso.
Apesar da noite estar super estrelada o
vento era bem forte ao ponto de incomodar, não tivemos uma boa noite de sono.
Dormir 3 pessoas em um equipamento feito para 2 pessoas não foi nada agradável,
mesmo assim faltava apenas um terço da parede e as enfiadas mais duras tinham
ficado para trás, tudo indicava que chegaríamos ao cume.
Acordamos bem cansados de trabalhar no
içamento dos nossos suprimentos e ainda revezar as guiadas principais da via.
Sem deixar a bola cair fomos tocando pra cima até que uma chuva inesperada nos
alcançou depois de termos escalados 3 enfiadas, as mais difíceis do dia.
Parecia que era o fim da nossa tentativa, mas de repente ela parou. Ainda
confiante continuamos mais um pouco até ela voltar com tudo. E assim fomos,
vencendo enfiada por enfiada entre o vai vem da chuva. No fundo torcia para que
as últimas enfiadas não estivessem molhadas, pois deveria ser a parte mais
exposta, já que a parede perdia inclinação drasticamente se tornando uma rampa
nos últimos 100 metros, com pouquíssimas proteções. Pois bem, a chuva parou totalmente como que dando um
sinal de que os Deuses nos permitiriam pisar no cume nesse dia. Dito e feito,
misticamente tudo parou, a chuva, o vento, o tempo parou para os três pobres
mortais explodirem de alegria ao alcançar o tão desejado cume da Pedra Riscada.
Enquanto comemorava o feito, um lindo arco íris nos abençoava ao fundo.
Sérgio Ricardo, Bernardo Biê e Lucas Marques no cume da Pedra Riscada depois
de escalarem a via "Place of Happiness".
Foto: Lucas Marques.
Tudo
indicava que nossa descida seria menos
difícil do que pensávamos, já que tudo conspirava a nosso favor. E foi
exatamente o que aconteceu, tudo deu tão perfeito que ao retornar para o
portaledge decidimos recolher acampamento e descer imediatamente da montanha.
Depois de rapelar por volta de 7 horas seguidas chegamos na base da via, por
sorte apenas na última puxada de corda do último rapel, já com os pés no solo,
a corda prendeu e tivemos que escalar uma parte da enfiada para retira-la.
O show da natureza durante a descida do cume. Foto: Lucas Marques.
As 23h da noite o jantar já estava sendo
feito e o banho tomado, pareciam 3 crianças que acabavam de chegar do parque de
diversões. Era inacreditável como tudo tinha dado tão certo, a sensação era de
que uma verdadeira benção havia sido lançada sobre nós, principalmente porque
no dia seguinte o tempo fechou e não parecia ser uma boa idéia estar na parede
diante do clima que se formava. Aproveitamos para conhecer as outras faces da
Pedra Riscada dando a volta por toda sua circunferência. No trajeto fomos até a
cidade de São José do Divino guiados pelo nosso amigo Edimilson Duarte, ilustre
cidadão da cidade e o maior incentivador das atividades de montanha na região.
Edimilson é dono do Recanto Pedra Riscada, onde a maioria dos escaladores se
abrigam, além de ser um dos maiores conhecedores da região, ele é o responsável
pela divulgação da escalada e junto de escaladores mineiros está organizando o
primeiro guia de escaladas da região.
Não vejo como poderia ter sido melhor,
graças aos Deuses da Montanha e as diversas informações que conseguimos ao
longo do tempo que planejamos fazer essa escalada com êxito e em segurança. Desde
os relatos de outras pessoas que vivenciaram diferentes experiências e as
divulgaram, até amigos que pessoalmente nos deram dicas sobre detalhes da via,
todas as informações foram úteis e importantes, algumas pontualmente
primordiais.
Mas a pedra riscada tem 1260 metros de altura e não o que vcs mencionaram então vcs não conquistaram a pedra riscada
ResponderExcluirolá, sim a pedra tem em torno de 1200 metros a parte maior e a via por onde escalamos tem 850, referente a um dos "bracos" da poltrona (formato remetido a pedra riscada).
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